ICMSSubstituição Tributária em Foco
STF: direito ao ressarcimento do excesso
Tema 2018:
“É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”
O instituto da Substituição Tributária Progressiva (ST) é autorizado pela Constituição Federal, e consiste na antecipação do recolhimento do tributo, mediante a transferência da obrigação tributária ao contribuinte que melhores condições oferece para o seu pagamento, ou seja, trata-se de um regime de antecipação presumida do imposto devido nas operações futuras, o qual deve ser recolhido prematuramente pelo fabricante/produtor, normalmente.
A ideologia desse instituto não é gerar aumento da carga tributária, onerando os contribuintes de maneira injustificada, mas antes o contrário, a ST visa dar maior praticidade ao sistema, tornando-o mais efetivo em termos arrecadatórios, ao distribuir de maneira eqüitativa a carga tributária, evitando a sonegação.
Em outras palavras, a finalidade constitucional desse instituto é alcançar uma maior Justiça Fiscal.
Para a promoção desta finalidade, o artigo 8º da Lei Complementar nº 87/96 estabeleceu alguns critérios, senão vejamos:
Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
I -(…);
II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:
a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;
b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;
c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.
(…)
4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
Como se percebe do transcrito artigo, regulando o regime da ST, a lei criou o método do valor agregado, segundo o qual, para a determinação da base de cálculo do ICMS-ST deve ser realizado um levantamento acerca da média dos preços praticados no mercado, denominado PMPF – preço médio ponderado ao consumidor final –, salvo quando houver preço tabelado.
Com esse objetivo, vejamos o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do RS:
O artigo 8º da Lei Complementar nº 87 /96 estabelece os critérios para a determinação da base de cálculo do ICMS no caso de substituição tributária. Isso significa que fora da referida hipótese, de uma forma geral, fica definido que a base de cálculo do ICMS, para saída de mercadoria, é sobre o valor da operação – art. 13, I da LC nº 87 /96. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70052187457, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 30/04/2014.)
A regularidade desse procedimento também foi reconhecida pelo STF (RE 213.396 – DJ de 1º/12/2000), logo, independente de nossa convicção pessoal, fato é que a Substituição Tributária é válida, contudo, conforme precedente acima, essa validade depende do respeito aos critérios do transcrito artigo 8º da LC nº 87/1996.
Ocorre que esses critérios não estão sendo respeitados pelos Estados.
Veja-se que não é minimamente crível que essas médias não sofram alterações de tempos em tempos. Contudo, os estados não alteram as médias pertinentes à maioria dos produtos há mais de 10 anos, e mais, a maioria das MVAs (percentuais correspondentes às médias legalmente permitidas) são definidos em percentuais idênticos para vários Estados, como se na maioria dos Estados fosse praticada a mesma margem de lucro ou houvesse a mesma constância de competição entre os atores comerciais.
Na realidade, essas MVAs são fixadas mediante decisão política, desvinculando-se da finalidade constitucional desse instituto para focar em outro objetivo, qual seja, a concorrência/guerra fiscal entre os Estados. Enfim, os coeficientes são definidos mediante acordo entre os estados, desnaturando o instituto de coleta de preços para o estabelecimento do valor agregado a ser utilizado na fixação da base de cálculo do ICMS-ST à que alude o art. 8˚ da LC 87/96, sem falar na desconsideração dos princípios comerciais mais elementares.
Ao agir desta forma, os Estados tacham os cidadãos e o Judiciário como ingênuos, tolos, desconsiderando por completo a “mens legis” à que o legislador ordinário buscou quando da edição da LC 87/96, com a regulamentação da sistemática da Substituição Tributária, que foi: calcado na Justiça Fiscal, possibilitar o regime antecipado de pagamento de tributo mediante metodologia próxima ao máximo da realidade fática – por isso a coleta de preço, que deve, inclusive, ser renovada de tempo em tempo.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar, conforme segue:
TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ‘PARA FRENTE’. DECRETO PARAENSE N. 1194/92. INCOMPATIBILIDADE COM A LC N. 87/96 RECONHECIDA. MARGEM DE VALOR AGREGADO QUE DEVE SER DEFINIDA COM ADOÇÃO DA MÉDIA PONDERADA DE PREÇOS COLETADOS. I – A LC n. 87/96, a tratar da incidência do ICMS, explicita que a base de cálculo para fins de substituição tributária será obtida, em relação às operações ou prestações subseqüentes, por meio do somatório, dentre outros, da margem do valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes. Releva que esta margem “será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei” (art. 8º, inc. II, §4º). II – Não tendo o Decreto n. 1194, de 1992, se adequado às regras impostas pela LC n. 87/96, dirigindo-se as suas atualizações apenas à modificação do percentual da parcela adicionada, conclui-se tratar-se, em verdade, de pauta fiscal presumida, que nada estabelece acerca da feitura da média ponderada dos preços que deveriam obrigatoriamente ser coletados, ainda que por amostragem, para fins de apuração da margem do valor agregado, consoante o imperativo da lei complementar. III – Recurso ordinário provido, determinando-se seja o ICMS devido pela impetrante calculado, no tocante à margem do valor agregado, em conformidade com as disposições contidas na Lei Paraense n. 6012/96, a qual adota expressamente os preceitos da LC n. 87/96. (RMS 18.473/PA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 209)
Do contrário, se o regime de Substituição Tributária não respeitar essa sistemática, como de fato não ocorre com a maioria das mercadorias, então o regime é ilegal e deve ser afastado mediante ação judicial preventiva.
Paralelamente, independente da ilegalidade apontada acima, em qualquer hipótese, os valores recolhidos a título de ICMS-ST, que forem superiores aos praticados ao consumidor, podem ser recuperados, segundo decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA OU PARA FRENTE. CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO DO EXCESSO. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA. BASE DE CÁLCULO REAL. RESTITUIÇÃO DA DIFERENÇA. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REVOGAÇÃO PARCIAL DE PRECEDENTE. ADI 1.851. 1. Fixação de tese jurídica ao Tema 201 da sistemática da repercussão geral: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. 2. A garantia do direito à restituição do excesso não inviabiliza a substituição tributária progressiva, à luz da manutenção das vantagens pragmáticas hauridas do sistema de cobrança de impostos e contribuições. 3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS. 4. O modo de raciocinar “tipificante” na seara tributária não deve ser alheio à narrativa extraída da realidade do processo econômico, de maneira a transformar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta. 5. De acordo com o art. 150, §7º, in fine, da Constituição da República, a cláusula de restituição do excesso e respectivo direito à restituição se aplicam a todos os casos em que o fato gerador presumido não se concretize empiricamente da forma como antecipadamente tributado. 6. Altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI 1.851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, de modo que os efeitos jurídicos desse novo entendimento orientam apenas os litígios judiciais futuros e os pendentes submetidos à sistemática da repercussão geral. 7. Declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos 22, §10, da Lei 6.763/1975, e 21 do Decreto 43.080/2002, ambos do Estado de Minas Gerais, e fixação de interpretação conforme à Constituição em relação aos arts. 22, §11, do referido diploma legal, e 22 do decreto indigitado. 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 593849, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19/10/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-065 DIVULG 30-03-2017 PUBLIC 31-03-2017 REPUBLICAÇÃO: DJe-068 DIVULG 04-04-2017 PUBLIC 05-04-2017)
Segundo este precedente, a praticidade tributária não prepondera na hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS. A verdade material oriunda do efetivo processo econômico não pode ser ignorada, de maneira a transformar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta.
A necessária busca pela verdade material orienta o Direito Tributário porque nessa área não se discutem apenas interesses privados que reclamam tutela estatal, senão também que o próprio interesse público está em jogo, posto que o Estado age em função da Constituição, que não admite tributo com efeito confiscatório e (por meio de lei) prescreve o que pode ou não ser exigido do contribuinte (em função de sua capacidade contributiva).
Uma MVA superior ao preço praticado ao consumidor é excessiva, atentando contra a capacidade contributiva do contribuinte, por ser discrepante em relação o efetivo fato gerador do tributo e à própria riqueza manifestada.
Assim, sempre que o Comerciante Varejista identificar que a MVA presumida do ICMS-ST é superior a verdade material – é superior ao valor final praticado ao consumidor, poderá receber os valores tributados em excesso, mediante ação judicial de repetição de indébito, com fundamento no Tema 201 do STF, que foi julgado em regime de Repercussão Geral, conforme precedente acima.