RECUPERAÇÃO DE EMPRESASOs limites da arbitragem em face da recuperação judicial

A recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou uma sentença arbitral que autorizava a compensação de créditos entre a Concessionária Auto Raposo Tavares (Cart) e a construtora Metha (antiga OAS) – esta em recuperação judicial –, marca mais um importante precedente no debate sobre os limites da arbitragem diante da jurisdição do juízo recuperacional.
O cerne da controvérsia está na colisão entre dois princípios estruturantes do ordenamento jurídico: de um lado, a autonomia privada que legitima a cláusula compromissória e, de outro, a preservação da empresa em crise e a função social do instituto da recuperação judicial. No julgamento, o STJ reafirmou a competência exclusiva do juízo da recuperação para decidir sobre atos que impliquem afetação ao patrimônio da recuperanda, ainda que exista cláusula arbitral previamente pactuada.
A decisão reitera o entendimento já consolidado em precedentes do STJ, ao estabelecer que os créditos sujeitos à recuperação judicial não podem ser compensados automaticamente, especialmente quando envolvem credores concursais. A jurisprudência tem reforçado que, uma vez deferido o processamento da recuperação, os efeitos da suspensão das execuções individuais (stay period) se estendem também às arbitragens, sempre que estas possam comprometer o princípio da paridade entre os credores e o soerguimento da empresa.
No caso concreto, a tentativa da Cart de compensar créditos devidos à Metha, mediante sentença arbitral, fora autorizada sem a prévia anuência do juízo universal da recuperação. Tal conduta, além de configurar violação à regra de competência estabelecida no artigo 6º da Lei nº 11.101/2005, compromete o princípio da par conditio creditorum, na medida em que permite a um credor impor vantagem indevida em detrimento da coletividade.
O decisão proferida pelo ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso, pontuou com clareza que a recuperação judicial envolve crédito sujeito à recuperação judicial, não podendo ser considerado como direito patrimonial disponível.
Nesse sentido, nosso sócio Eduardo Caletti afirma: "evidente que uma recuperanda pode instaurar arbitragem simultaneamente ao juízo recuperacional, entretanto, deve resguardar os efeitos suspensivos e o controle sobre o plano de pagamento dos credores, sem dar preferênica a credores e com a execução da sentença arbitral sendo submetida ao Juízo da Recuperação".
Essa delimitação tem repercussões práticas relevantes, sobretudo para os credores que operam com contratos de longa duração e cláusulas arbitrais padronizadas. O risco de ver frustrado o exercício de seus direitos em decorrência da submissão dos créditos ao juízo universal impõe uma reavaliação estratégica quanto à gestão contratual com empresas economicamente vulneráveis.
Em última análise, a decisão do STJ reflete o esforço do Judiciário em compatibilizar a ordem econômica e o devido processo legal coletivo, preservando a isonomia entre credores e o objetivo maior da recuperação judicial: viabilizar a superação da crise e a continuidade da atividade empresarial.
Mais informações podem ser obtidas no site do STJ, REsp 2.163.463, ou no jornal Valor Econômico, edição de 03/04/2025.